Para os profissionais do Direito ou Filosofia, compreender como ambas as disciplinas caminham juntas pode ser fundamental, se a finalidade é o desenvolvimento e o conhecimento dos estudantes das duas áreas. Neste contexto, também estão inclusos profissionais de Ciências Humanas, em geral. 
 
Com o objetivo de trazer novas abordagens e esclarecer conceitos que abrangem esses dois campos de estudo, conversamos com o professor do curso de Pós-Graduação em Filosofia e juiz de Direito da Comarca/cidade de Santo André, Jarbas Luiz dos Santos. Veja na íntegra!
 
P: Professor, quais o senhor acredita serem as principais contribuições que a Filosofia pode oferecer para o Direito e, de que forma a Filosofia do Direito tem a função de ajudar o profissional da área durante o exercício da profissão?  
 
R: Primeiramente, precisamos pontuar que não existe especificamente uma Filosofia do Direito. O que temos, na verdade, é a Filosofia, e dentro dela algumas áreas que acabam abordando o Direito. Dentro da Filosofia, o tema que mais aproxima os dois assuntos é a questão da justiça. Durante a história, a humanidade resolveu escolher o caminho da dissociação entre o Direito e a justiça e, no caso, a Filosofia do Direito seria a tentativa de retomar a união entre os dois ou, ao menos, mostrar as possíveis conexões entre os dois campos. Um dos nomes que estudamos na disciplina, Hans Kelsen, talvez seja o principal autor que tenha trabalhado a questão dessa separação.
 
P: Qual a importância do ensino das disciplinas de Filosofia Jurídica nos cursos de Direito? 
 
R: Eu acredito que se não houver Filosofia Jurídica em uma graduação de Direito, melhor que o curso não exista. Assim como ocorre em outras áreas, o curso de Direito ficou extremamente técnico. Os alunos entram para aprender como funciona a legislação, processos, formalidades em audiências e, neste caminho, quase todo espaço de reflexão é esquecido. E a Filosofia do Direito é umas das poucas disciplinas que proporcionam esta reflexão. Além disso, muitos alunos entram na faculdade com a única preocupação de ingressarem em uma carreira e ganhar dinheiro. Na Filosofia, alguns autores trabalham bastante com os conceitos de reificação e alienação. Eles trabalham com uma visão, normalmente despercebida, que é a da atribuição de valor econômico para tudo. Ou seja, as regras da economia acabam se sobrepondo a outras áreas da sociedade. Deste modo, a preocupação dos alunos com a inserção no mercado (sobretudo nas carreiras jurídicas mais disputadas), sem qualquer preocupação com a Filosofia, é reflexo disso. 
 
 
P: A pauta da corrupção é, com certeza, um dos principais desafios para os próximos governantes e uma temática muito debatida pela população. Na visão do filósofo Michael Sandel, que veio ao Brasil em 2016, o combate à corrupção requer uma mudança cultural, o senhor concorda? Como a Filosofia pode ajudar a entender a lógica da corrupção?
 
R: Eu concordo parcialmente. Acredito que, no Brasil, o combate à corrupção virou quase que uma pauta nacional. O Brasil tem, de fato, um problema cultural relacionado à corrupção, e nesse ponto concordo com o professor Sandel. Entretanto, todos querem combatê-la, mas ninguém sabe o que ela é. A partir daí encontra-se a necessidade de estudar a Filosofia, pois ela trabalha com conceitos. Além disso, no país, tudo que envolve um assunto geral acaba virando uma pauta político-partidária e então, mesmo os órgãos, e os que estão à frente do combate à corrupção, acabam agindo de maneira não isonômica. Quando estudamos justiça, devemos pensar em Aristóteles, talvez o maior escritor acerca do tema. Para ele, Justiça é sinônimo de "isonomia". Sem isonomia, você pode ter tudo, menos justiça. Por isso defendo que, se não fora para pensar a Justiça/isonomia de forma ampla e abrangente, mas apenas parcial, todos os esforços atuais estão fadados ao insucesso. 
 
P: Qual a sua opinião a respeito do ensino da Filosofia nas escolas? Quais os principais desafios dessa disciplina no ambiente escolar? 
 
R: Eu repito o que disse acerca do Direito. Estudar no Ensino Médio sem Filosofia é tornar as aulas puramente técnicas. Não há como concordar com isso, sobretudo no segundo grau, quando os questionamentos são mais comuns. Daí a importância de desenvolver neste período da vida os hábitos de parar, pensar, refletir e ler, sem os quais não há verdadeiro "progresso intelectual/espiritual" dos alunos enquanto pessoas. Pensando na pior das hipóteses – a retirada da Filosofia das escolas, por exemplo – como os professores de História, neste caso, vão abordar suas disciplinas? É impossível falar de renascimento, revolução científica, reforma protestante e formação do Estado sem citar Filosofia. Logo, a tentativa de retirar as matérias de Filosofia e Sociologia das escolas é péssima para o processo pedagógico e totalmente intencional.    
 
P: De que maneira o senhor enxerga a preparação dos professores e docentes, para que os alunos tenham acesso a conteúdo de qualidade em disciplinas de Humanas, principalmente quando elas vêm perdendo espaço recentemente?  
 
R: No Brasil nós temos um problema muito grave, o da formação. Muitas vezes falamos só do aluno, mas esquecemos que o professor também foi estudante e teve deficiências em seu processo de formação. No momento que percebermos isso, o próprio professor, que cuida do processo pedagógico, vai procurar primeiro suprir essas suas deficiências de formação. E uma vez consciente dessas carências, ele vai estar ciente da necessidade de trabalhar conteúdos que não estejam necessariamente ligados ao conteúdo programático. Irá além daquilo que lhe é imposto. Logo, novamente voltamos para a importância da Filosofia. Sem essa consciência, o processo de aprendizado, que já é equivocado, repete-se num círculo vicioso interminável. Isso é o que estamos assistindo há muito tempo, uma reprodução e manutenção daquilo que não deu certo. 
 
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